segunda-feira, março 06, 2006

LÍNGUA PORTUGUESA - emprego da partícula apassivante

VOZ PASSIVA COM A PARTÍCULA APASSIVANTE

Um amigo pôs-me, num destes dias, uma questão linguística um pouco complicada para ser cabalmente esclarecida. Disse-me que tem ouvido e também tem visto escrito, com muita frequência, as expressões alternativas: vendem-se casas/ vende-se casas; alugam-se barracas/aluga-se barracas (da praia) ; escrevem-se cartas/escreve-se cartas, etc. “Qual das duas formas estará correcta, o verbo transitivo no plural ou no singular ?” A pergunta é bem pertinente, e, como se imagina, formulada por muitos portugueses com alguma cultura. Mas a resposta fundamentada por um raciocínio lógico e plausível não se encontra em nenhuma das gramáticas consultadas. Nestas, como código da norma da língua portuguesa , a regra geral, é da obediência à primeira versão, isto é, o verbo transitivo na terceira pessoa do plural . Assim, deverá ser: vendem-se casas; alugam-se barracas; escrevem-se cartas, etc.
Trata-se da voz passiva dos verbos que, normalmente, é formada com o verbo auxiliar ser . Nestes casos a voz passiva é obtida com o uso da partícula apassivante se. Assim, nos exemplos acima, vendem-se casas, na voz passiva, casas são vendidas ; alugam-se barracas, equivale a dizer: barracas são alugadas; escrevem-se cartas ou cartas são escritas, etc. A gramática limita-se a referir que neste caso, o da voz passiva, com a partícula apassivante, não vem expresso o agente da passiva. E aqui é que está o busílis da questão: as casas não se vendem a si próprias; as barracas não se alugam a si próprias; as cartas não se escrevem a si próprias, etc. Na voz activa : (alguém) vende casas ; (alguém) aluga barracas; (alguém) escreve cartas, etc. É assim que entende quem opta pelo conjugação do verbo transitivo no singular: vende-se casas; aluga-se barracas; escreve-se cartas. Só que, neste raciocínio, aquilo que se denomina partícula apassivante (se), passa a corresponder ao pronome indefinido (alguém), como acontece em francês: on vend des maisons; on loue des tentes; on écrit des lettres, etc., em que “on” é um pronome indefinido que se traduz, vulgarmente, por alguém. Peguemos num só exemplo. Consideremos, na voz activa: vende-se (aceitando se =alguém) casas. Com um pequeno desvio da norma, como acontece no português do Brasil, dir-se-ia: se vende casas. Então, sem alterar a posição dos componentes da frase bastaria substituir se por alguém.
Vertamos agora para a voz passiva esta versão: vende-se casas ou alguém vende casas. Teremos então: casas são vendidas por (alguém). O complemento directo da voz activa, casas, passa para sujeito da voz passiva e o verbo como tem de concordar com o novo sujeito vai para o plural ; o sujeito, alguém, passa para agente da passiva precedido da preposição por, . Assim, quando as gramáticas dizem que não está expresso o agente da passiva, poderá contestar-se que o mesmo é subentendido. Repare-se que o pronome, alguém, quer como sujeito na voz activa ou agente da passiva é sempre o agente da acção.
A questão posta pelo meu amigo, como disse, embaraça quem a pretenda satisfazer por escrito; de viva voz e em diálogo seria mais entendível para os correspondentes interlocutores. Por isso, caro leitor, espero que a salada russa que me esforcei por tornar digerível não o tenha indisposto. Acredite que me preocupei com essa hipótese e temperei-a o melhor que sabia.
Recordo que, em tempos, Edite Estrela, quando se propôs, pela televisão, dar algumas lições de português, a propósito da conjugação da voz passiva dos verbos com a partícula apassivante se, a substituir o verbo auxiliar ser, disse, apenas, que o verbo transitivo devia conjugar-se no plural, a concordar com o novo sujeito da passiva e mais não esclareceu.
Por minha parte foi, aqui, minha intenção, também e apenas, tentar esclarecer as razões das duas alternativas sugeridas pelo meu amigo. Não tenho outros argumentos para contestar a regra gramatical que é posta também sem mais explicações de lógico fundamento.
A gramática é o código que contem as regras para bem falar a língua portuguesa exactamente como um código de leis é para ser respeitado pelo cidadão socialmente bem integrado. Obedeça o falante às regras da gramática e respeite o cidadão as leis do código jurídico.
Dimas Maio

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