segunda-feira, maio 15, 2006

Isabel A. Ferreira Dialoga com Luisa Dacosta ( Despedida do Moinho)

Excertos :

“Regressemos a A-Ver-o-Mar e ao moinho, que, como se viu, teve uma importância primordial na vida e na obra de Luísa Dacosta. Seguindo o seu percurso bibliográfico, reparamos que as suas duas últimas publicações, À Sombra do Mar e A Maresia e o Sargaço dos Dias, ocorreram respectivamente em 1999 e em 2002, e constituíram como que um adeus àquele lugar que fora tão seu.
(...)
Aquele recanto de A-ver-o-Mar nunca mais será o mesmo sem a presença de Luísa que, pela manhã, costumava abrir a janela da terra, para que até si chegassem as vozes daquelas gentes que tanto amou, e com elas povoar a sua solidão. E, ao entardecer, a janela do mar, por onde recebia o crepúsculo, o murmurinho das águas e os seus segredos, e o canto das gaivotas , como que saudando a sua lucidez .
(...)

“Adeus !

Como quem cega os próprios olhos
tinha fechado, pela última vez ,
a janela do mar.

Dos seus passos, apagados da beirada ,
nenhum sinal restava.
Podia partir .

Só o soluço do vento e das águas
tentava caligrafar uma ausência
nos ramos do dia.”

In À Sombra do Mar

(...)

O moinho de A-Ver-o-Mar , castelo de um reino, banhado por águas de muitas marés, lugar onde Luísa concebeu muitas das suas ilusões e afogou tantos dos seus sonhos, saíra, inesperadamente da sua vida. Este fechar a janela do mar, estes passos apagados, este soluço do vento , este adeus, foi a derradeira despedida de um lugar onde deixou o seu génio criador e a poética dos seus dias. Foi sobretudo um adeus a um lugar muito amado.”

terça-feira, maio 09, 2006


"Soltou-se, dos abismos, o búzio do vento. Que dor se esfarrapa
e franja de encontro aos penedos? Que voz, dolorida,endoidada,
cavalgando ondas e crinas de espuma, espraia desesperos e uiva
pelas margens da noite?"

segunda-feira, maio 08, 2006

PARA QUANDO A HOMENAGEM ?


Reedição do texto publicado no jornal “O Comércio da Póvoa de Varzim” em 13 de Maio de 2004

O nosso Município, no “Dia da Cidade”, 16 de Junho, vai prestar homenagem a instituições e personalidades que, pela sua acção em determinados campos de “cultura e lazer” têm dado o seu contributo para o enaltecimento desta ditosa urbe nossa amada.
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Assim, ao Clube Naval Povoense, vai ser atribuída a “Medalha de Reconhecimento Poveiro – Grau Ouro” por proposta de Macedo Vieira que realçou este merecimento pela acção empenhada em prol da cultura desportiva, direccionada para o elemento que empresta à Póvoa a sua natural grandeza, o Mar.
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À escritora Luísa Dacosta será imposta a “Medalha de Cidadão Poveiro” que indubitavelmente a merece porque, embora transmontana de berço, esta é obviamente, também , a sua terra de eleição.
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Cumpre-nos reconhecer o afecto que tem prestado à Póvoa, manifestado com a mais valia da sua obra literária, como um bom alanco, por esta distinta via , para a projecção da actividade poveira, num maior espaço intelectual , objectivo bem esclarecido dos responsáveis desta afortunada terra tida sempre como grata a quem, por algum modo, a glorifica.
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Luísa da Costa passou largas temporadas na casa sobranceira à praia de Esteiro, que se vê na imagem. Familiarizou-se com a gente humilde de Aver-o-Mar ; pescadores, sargaceiros e seareiros que são, afinal , os que têm estas ocupações de sobrevivência: homens e mulheres do mar e da terra. Fê-los interlocutores amados nas suas “A-VER-O-MAR Crónicas”, extraídas do real quotidiano. Dá-lhes a verdadeira vida no seu habitat. Traduz foneticamente, com a maior fidelidade o seu linguajar, pincelando fielmente a cor local . Chama-os, familiarmente pelos nomes e alcunhas. Vive com eles. Agrada-lhe deixar-se transportar nas suas carroças para o campo, pegando-lhes nos filhos ao colo, enquanto amanham a terra para a batata e o milho. Conhece as praias e as penedias, desde “Fragosa” até à muralha “Cabo de Carreiro” e “Aradinha”. Refere, bem conhecedora, os apetrechos do mar, da pesca e da apanha do sargaço.
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Então, seu estilo é singular, não lhe assenta uma vulgar definição. O discurso fluí com alternância natural da descrição dos cenários e a acção dos reais actores. O ritmo, por vezes vivo, passa a bonançoso, como a influência da ondulação do mar de Esteiro, que pode contemplar do seu moinho. Há um verdadeiro encantamento na sua obra que nos transmite um sentimento de amor, de apego às pessoas e às coisas da sua vivência, naquele ambiente . O seu sentido poético começa logo no prefácio que é um hino à vida dos seus heróis no seu pequeno mundo.
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Penso que, no entender de quem me lê, será desnecessário outro argumento para garantir a certeza de que a 16 de Junho próximo, a vila de Aver-o-Mar aproveitará a oportunidade da anunciada homenagem que o nosso Município vai prestar a Luísa Dacosta, para também lhe afirmar o seu particular reconhecimento. Para o efeito, permito-me sugerir um gesto simples que pretendendo distinguir a escritora, se honrará mais a si própria esta terra que foi berço de Francisco Gomes Amorim .
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Dar o nome da homenageada a uma rua importante é o menos que se pode fazer para memória da gratidão que, eternamente, esta vila lhe ficará a dever. Nesta conformidade, nenhuma mais ajustada e perfeita do que a marginal ao lado do que foi o seu romântico moinho.
A denominação que se lê na placa é : “Avenida do Jardim da Praia”. É inimaginável um tal topónimo, já que não há ali jardim algum. E que houvesse, não revelaria, o facto, uma evidente pobreza de imaginação, para não dizer incultura, do seu ou seus autores ?
Mais sonante ficará o nome de Luísa Dacosta porque despertará sempre na consciência dos averomarenses , que transmitirão aos filhos a memória da pessoa muito importante que com eles conviveu e lhes pegou, muitas vezes, ao colo.
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Desnecessário será também lembrar que o acto deverá anunciar-se com a devida solenidade do descerramento da placa toponímica.

Vide: DÍVIDA DE GRATIDÃO ( texto abaixo)

EM AVER-O-MAR - "SEAREIRO" , TRABALHADOR DA TERRA E DO MAR

Reedição do texto publicado no jornal “O Comércio da Póvoa de Varzim” , em 27/71997

Luta do povo que, de perto, sempre admirei.

Nos dias de hoje, espantem-se os filhos e netos, da luta pela vida daqueles com quem convivi nos meus tempos de menino e moço !

Eram então “Araus” nome com que os de cima, os lavradores, pretendiam depreciar os de baixo, os da orla marítima, que, trabalhando duramente a terra, mais arduamente ainda se lançavam no labor do mar.
Todavia, não era nada depreciativo este epíteto, porquanto arau era uma palmípede marinha, vista frequentemente na praia , mergulhando para “pescar”
Por vingança, os Araus, chamavam “Suínos” aos outros. Esta fronteira foi-se diluindo e estes sarcasmos recíprocos fazem sorrir a gente de hoje.

Muitos Araus eram ricos seareiros. E este sim, era o título que os enobrecia. Seareiro, aqui, era o que fazia as suas próprias terras e, por vezes, ainda as dos outros e ia colher no mar o adubo que as fertilizava. Batata era a sua principal cultura e pilado (pequeno caranguejo) o fertilizante orgânico mais utilizado. O excedente era posto em feira, em pilhas ou montes, na praia de Fragosa.

E, então, era ver o movimento, a azáfama dos lavradores das freguesias vizinhas e até dos concelhos de Famalicão e Barcelos, carreando o precioso enriquecedor da fertilidade dos seus lameiros e nabais.
Para arrancar da areia da praia para a estrada, de piso mais duro, os carros de bois, de grandes caniçadas, emprestavam eles uns aos outros os seus animais para dobrarem as juntas. E aí começavam, enérgicos, os apelos dos seus donos:

Eh... Pisco!...Eh... Amarelo! Eh... boi lindo! Eh!... E os bois retesavam-se todos, num esforço danado.

As companhas – de dois barcos de pilado ( espécie de pequenas lanchas) saiam, de madrugada , barra fora e, não raro rumavam à "beirada" ou a Cutinhais ( Vila Praia de Âncora) ou a Afife, quando nada havia nas "calas" de Esteiro e de Lagoa. E, se as águas não corressem, permitindo que as redes de saco arrastassem pelo fundo, em poucos lanços, enchiam os barcos. E, porque o alar das redes de saco se fazia à força de braço, os cabos limavam os calos das mãos que ficavam em carne viva. Se fazia calmaria, no regresso, a vela de nada servia e então, os barcos, com apenas um palmo de borda fora da água, eram movidos, ou melhor, arrastados a remo, num esforço dorido a que os próprios diziam “levar uma coça de remo”

Era assim, quotidianamente e durante uma época que começava no Verão e terminava nos princípios do Outono.

Por vezes, o mar puxava de repente e, então, era a aflição do povo na praia perscrutando, no horizonte nebuloso, as companhas que da barra se aproximavam : “ Aí vêm os barões!... Aí vêm os Flores!... Está a chegar o tio Piloto!......Olha! aí vem o Pombal! E o Tio Rebelo!... O Doutor (Gueiral) não chega !. É sempre o mesmo teimoso !...

Mas, Graças ao Senhor, ao cair da noite , tudo está a salvo.
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Era Assim, naquele tempo em que o labor e a angústia se emparelhavam.
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E eu sinto-me incapaz de traduzir para aqui a realidade que, da minha memória, jamais se apagará .

24/7/1997 ...... Dimas R. de Castro Maio

domingo, maio 07, 2006

DÍVIDA DE GRATIDÃO






O texto que se segue foi, na sua data, publicado no jornal “O Comércio da Póvoa”
Reedito-o aqui, nesta oportunidade, confiado que a actual Junta de Aver-o-Mar terá em conta remediar, de algum modo, a ingratidão da freguesia com a responsabilidade da anteriorJunta para com Luísa Dacosta
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Luísa Dacosta
“...é credora de eterna gratidão...”

Em caixa, na primeira página deste nosso jornal de 14/8, é referido assim o preito que a Câmara da Póvoa , rende, em sua acta 12/97, com a promessa “de mais condigna homenagem que a seu tempo promoverá ...” à insigne escritora vila-realense transmontana, na oportunidade da manifestação calorosa de apreço e simpatia que a “Comunicada Escolar da Francisco Torrinha” lhe dispensou na qualidade da sua prestigiante professora que passa à situação de aposentada.
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No excerto não é referida Aver-o-Mar concretamente, mas tão-somente a Póvoa de Varzim e “a alma do Poveiro presente em belíssimos textos, imperecíveis actos de amor”
Engano a corrigir . Na verdade, Aver-o-Mar pertence ao concelho da Póvoa, mas o Averomarense tem identidade própria e foi ele, foi este povo, foram os homens e mulheres, simultaneamente pescadores, sargaceiros e camponeses desta terra de “A-Ver-o-Mar” que inspiraram as afectuosas “CRÓNICAS” de Luísa Dacosta, colectânea de textos de verdadeiro colorido local a tocar o poético e o nostálgico. Há ali a graça do coloquial com o acento fonético do linguajar da nossa gente. Sente-se e comunga-se da vivência das personagens no seu habitat. Há ali vida duramente vivida . Há alegria e tristeza . Há facécia e agrura nos diálogos que a autora tão fielmente sabe escutar.
O drama está ligado ao rigor da existência dos protagonistas e figurantes reais destas peças. Luísa Dacosta condói-se e solidariza-se com o sofrimento das mulheres escravas que o home maltrata. Vai com elas na carroça para o campo e carrega-lhes os filhos ao colo. Sabe o nome de todas e familiariza-se com os apelidos por que são conhecidos os seus vizinhos. Refere-se às praias e penedias de que eu posso confirmar a precisão.
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Luísa Dacosta, por coincidência ou inspiração, lembra “Alphonse Daudet”, autor de “Lettres de mon moulin”
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Este escritor francês, nascido em Nimes, mas vivendo normalmente em Paris, adquire um “moulin à vent” numa colina da Provença e ali se isola , como autêntico eremita, e escreve suas “lettres de mon moulin” (cartas de meu moinho)que traduzem, com rigor, toda a paisagem da sua vivência local.
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A nossa escritora compra igualmente um moinho de vento assente sobre uma duna da praia de Esteiro, que adapta a residência de férias e escreve aí as suas “CRÓNICAS DE A-VER-O-MAR”, com personagens e elementos do ambiente que a rodeiam, procurando a fidelidade da cor local, e há elementos lexicais e fonéticos perfeitamente condizentes.
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Na minha actividade de professor das disciplinas de Francês e Português (língua e literatura), teria hoje planeado, para algumas aulas, um estudo comparativo ou uma análise intertextual das duas obras. Tenho-as aqui à mão e, pessoalmente, encanta-me verificar pontos de encontro e acentuado paralelismo em textos escolhidos para o efeito.
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Estou porém, também na situação de aposentado, mas fica aqui a promessa de que tudo farei para despertar as consciências para a gratidão que todos lhe devemos e, oportunamente, será prestada homenagem à altura do valor da minha emérita colega que, não obstante afastada agora das suas aulas na Escola Francisco Torrinha, Deus lhe conservará energia para continuar a docência no campo pedagógico de horizonte mais vasto.

17-08-97 Dimas Maio