quarta-feira, janeiro 17, 2007

REFERENDO SOBRE A DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO

O aborto é crime ? .

Julgo que há uma grande confusão acerca do referendo, sobre o votar sim ou não para a despenalização da IVG . Estou mesmo convencido que muita gente pensa que se trata de liberalizar, senão mesmo, preconizar o acto , não importa em que situações a grávida o deseje. E há muita hipocrisia a pretender sustentar este equívoco. Falaciosamente generaliza-se o que se pretende particular ou acidental .

A consulta posta ao povo esclarecerá objectivamente as situações em que a Lei não condenará a mulher que não vê alternativa para a dor de ter de se sujeitar a um acto de mutilação do seu próprio ser . Porventura, poder-se-á pensar que a infeliz não tem consciência do mal que a si própria causa? Será justo que ainda mais a humilhem com a exposição pública da sua “imoralidade” ?

Por princípio, a Lei é amoral. O acto imoral, nem sempre é crime. O religioso pode considerá-lo um pecado, mas não tem o direito de exigir ao secular que o puna com a vara da justiça .

Por outro lado, a hipocrisia excede-se na enormidade de declarar o aborto como um “acto terrorista” ou o absurdo da semelhança à imagem do enforcamento de “Saddam Hussein”

É de ciência generalizada que o aborto sempre se praticou e continuará a praticar, mesmo por quem hipocritamente se diz contra; só com a diferença de que, enquanto as ricas o fazem em clínicas luxuosas, até no estrangeiro, as pobres se sujeitam a fazê-lo, clandestinamente, em qualquer tugúrio, muitas vezes, sem as mínimas condições de sanidade, assistidas por curiosas que, frequentemente, lhes causam danos irreparáveis.

Finalmente, esclarece-se que o que está em causa não é se se é a favor ou contra o aborto, mas a favor ou contra a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) até às dez semanas, em estabelecimento de saúde para tal autorizado.
E para quem propala “o direito à vida”, os cientistas de todo o mundo civilizado não reconheceram a existência de vida humana até às 10 semanas de gravidez.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

UM DEMOCRATA EM CLIMA ADVERSO

A estátua do Major Mota foi reinstalada, após o seu novo derrube, desta feita, parece que, por canalhice. É esta uma oportunidade para reeditar o meu texto publicado no jornal “Comércio da Póvoa” por ocasião do seu centenário, documentando a homenagem pessoal ao homem valioso por quem a minha memória regista, para todo o sempre, a enorme gratidão pela sua valorosa e sincera amizade

Major Mota
- a minha homenagem -

Aquando do derrube da estátua deste Poveiro de Coração eu e, estou certo, muitos do meu tempo que tiveram a felicidade de usufruir dos benefícios da sua amizade, houvera aquele nefando acto de nos afrontar a alma e nos provocar uma ingente sede de justiça e de desagravo à sua memória.
Seria acção gratuita de puro vandalismo? Sou mais propenso a pensar que se tratou de feito sectário, de fanáticos que julgam mais os homens pelas ideias do que pelos seus actos. E eles dizem-se democratas ,diversificados por opções políticas de direita, do centro ou de esquerda, prontos a propalarem a justiça e o respeito pelos direitos dos cidadãos. E mentem, muitos que conheço, porque faltam aos mais elementares deveres sociais. A liberdade democrática é só para eles, negando os mesmas prerrogativas aos que lhe são próximos.

Democracia (do grego: democratia) significa poder ou governo do povo e democrático é o partidário desse governo. Mas, com alguma subtileza, confesso, atrevo-me a diferenciar o termo democrata para denotar a pessoa que sendo do povo vive e trabalha para o bem do povo. Se tem algum poder ou autoridade, não a impõe com arrogância, antes fá -la aceitar pela Comunidade com a dedicação e serviço que lhe presta com o maior empenho e rectidão e usa a sua influência para lhe solucionar os problemas, enquanto que "democrático" pode ser, tão-somente, um membro ou adepto desse partido.

O Major Mota era um cidadão integrado na política do seu tempo como a maior parte dos que transitaram e facilmente se adaptaram ao actual regime, embora alguns muito falsamente, como a toda a hora se constata.
Acontece, porém, que a indesmentível firmeza e honradez do seu carácter jamais permitiram a sua instrumentalização a favor daquilo que ele judiciosamente considerasse menos lícito ou lhe entravasse a acção em favor da sua e nossa comunidade. E só por essa razão teve de afrontar influências de protegidos situacionistas que haviam, a breve trecho, de implacavelmente lhe punir a ousadia e, com falso pretexto, o despacharam para Lisboa.

A sua estátua implantada à entrada da rua da Junqueira memoriza com rigor a sua inquebrantável pertinácia de, contra ventos e marés, levar avante a justeza do seu projecto de proibir ai a circulação de viaturas. Reservar aquela artéria, livre e segura, para movimento de pessoas, foi obra sua, mas um dos pecados que o conduziram ao "ostracismo".

Cabe aqui afirmar que a "União Nacional" partido único legal e suporte do regime, sentiu-se traído pelo filho rebelde que, reiteradamente, recusou cumprir “juro obedecer cegamente aos meus superiores", fórmula que então se era obrigado a clamar na tropa, aquando do "Juramento de Bandeira". (eu que fui soldado, tive de o fazer, embora sentisse rudemente o atentado à minha inteligência.)

Em consequência, a secção daquele partido na Póvoa de Varzim, todo poderoso, que, dentro do concelho, nomeava para os cargos políticos e outros, só aqueles que merecessem a confiança do regime e os destituía quando essa confiança era contrariada, "tramou",o termo é este, o Presidente da Câmara Municipal, Major Mota e despachou-o para Lisboa, para longe da família, a cumprir a penitência para o remir do pecado da não submissão incondicional às directivas do partido que tinha o monopólio do poder.

Este Homem era um democrata, porque amava a liberdade de pensar e agir e jamais perseguiu ou denunciou alguém hostil ao regime. Ele respeitava, com alguma afeição, o nosso saudoso Director, Manuel Agonia Frasco, inveterado e declarado opositor aos governos de Salazar e Caetano e este secular jornal foi o seu instrumento de luta.

Acusam-no de comandar a Legião Portuguesa. Grande crime esse!
Na Póvoa, a Legião Portuguesa era apenas uma moda, um aparato para os janotas que mandavam fazer as fardas à medida. Para os outros, para os que lutavam pela sua subsistência, ser filiado na Legião Portuguesa era a perspectiva de uma colocação, de um emprego na Função Pública. E então, era esse o dano que provocavam na Comunidade? Era essa a famigerada Legião Portuguesa, como foi dito por alguém?
Não eram p.i.d.e.(s) nem "bufos". Estes sim. Aquando da guerra civil de Espanha e nos anos subsequentes, se disseminavam e se dissimulavam pelos Cafés, por toda a parte, para espiar e escutar conversas de grupos e a sua baixeza moral era de tal ordem que denunciavam um amigo ou um membro da própria família. Nós, estudantes daquele tempo, dávamos fé de alguns cuja suspeita actividade se veio a confirmar mais tarde.

Naquela condição, o Major Mota estava à vontade e não era contrariado na sua acção em favor da terra que adoptou como sua. Seria até uma estratégia, não pensada mas intuída, que lhe dava alguma vantagem para vencer obstáculos que se lhe deparavam pela frente, como o caso da rua da Junqueira, que levou avante, embora saísse pessoalmente maltratado da contenda, como se viu.

Como Presidente da Câmara não auferia quaisquer proventos não obstante o apego que tinha ao trabalho a ponto de, por vezes, não poder conter um desabafo, acusando-se aos amigos da falta de assistência à família. Nem as horas de refeição ele as podia consagrar inteiramente ao Lar.
Para além das horas de expediente e pela noite adentro, lá ficava o nosso Presidente António José da Mota, sozinho, no seu gabinete, a assegurar o serviço de sua competência e responsabilidade.
Era nessa ocasião que eu o visitava entrando na Câmara pela porta das traseiras, da rua Paulo Barreto e me recebia com a sua peculiar simpatia, pondo-me à vontade para lhe fazer algum pedido. O meu Amigo .sempre me atendeu, não tendo eu , pobre de mim, maneira de lhe retribuir.
A nossa amizade nasceu no tempo em que eu era filiado na milícia da Mocidade Portuguesa. Éramos bastantes os moços que gostávamos de marchar, com garbo, em formação, pelas ruas da vila de arma ao ombro ou exibirmo-nos nas solenidades da localidade ou nacionais, como sendo a procissão do Corpo de Deus ou o dia Primeiro de Dezembro. Tínhamos então dezasseis a dezoito anos. Não nos dávamos fé de nos integrarmos como elementos de propaganda do regímen fascista do "Estado Novo". Não conhecíamos termos comparativos de outras políticas. O que nos agradava era o bom ambiente proporcionado pela camaradagem que o então tenente Mota naturalmente sabia cultivar. À vontade conversávamos, divertíamo-nos, riamos e ele sabia ser tão moço como nós. A amizade recíproca entre os rapazes e o seu Condutor brotou assim, espontânea e sincera.
Para ilustrar esta asserção e do modo do proceder do nosso tenente Mota, passo a contar um episódio em que fui protagonista :

Não me lembro agora o motivo por que estávamos nós, os "milicianos", aglomerados à entrada da igreja da Misericórdia, do anteparo para a porta. Alguém do grupo se meteu a requestar uma colega estudante que por ali apareceu. Em dado momento o diálogo tornou-se um pouco rumoroso. Eu estava muito perto do par e o tenente Mota, confundido, admoestou-me, vivamente, pela "falta de respeito...pouca vergonha” – disse. Claro que eu, rebelde, rezinguei e afastei-me amuado.
Num dia de instrução próximo e já em formatura, o nosso tenente Mota, entretanto inteirado da minha inocência, perfilou-se na minha frente deu "a mão à palmatória" e, com voz entendida por todos, pediu-me desculpa.

Era assim este homem recto que corrigia a si próprio as injustiças involuntariamente praticadas. .
Mais, para prova da sua vertical personalidade, inflexível independência de espírito e humanidade, eu fui testemunha presente de outro facto que passo a narrar :

Este caso é, no tempo, muito posterior ao antecedente e era então o respeitável senhor António José da Mota já major e presidente da nossa Câmara Municipal. Acontece que, não me lembro agora a que titulo, bastante gente aguardava, na arcada dos Paços do Concelho, um alto dignitário do governo ( parece que o governador civil do Porto) e sua comitiva que foi recebida, como manda o protocolo, à entrada, pelo Presidente Major Mota. Entre o público assistente, encontrava-se o idoso e venerando José da Costa Novo, comandante honorário dos Bombeiros Voluntários da Póvoa de Varzim, por coincidência avô de minha mulher. No momento em que o séquito entrava no vestíbulo, o velho senhor que ensaiou segui-lo, tropeçou num degrau, caiu e ficou prostrado no solo. Acto continuo o Major Mota, presidente da Câmara, abandona a comitiva e acode a levantar o seu amigo. Entretanto, como se demorou a confortar o "comandante" - era assim que ele se dirigia ao Sr. Costa Novo - a comitiva retomou a subida da escadaria. Alguém lhe quis chamar a atenção para o facto ao que eu lhe ouvi responder, sem equívoco: "que se lixem, o que agora me importa é que o comandante fique bem".
Era assim este Homem!
Dimas de Castro Maio

Texto a publicar em "O Comércio da Póvoa de Varzim" por altura da celebração do seu centenário
( 3 - de Dezembro - 2003 )