segunda-feira, março 06, 2006

ARTE LITERÁRIA - figuras de estilo




HIPÉRBOLE

Sempre que se recorre às potencialidades da língua para construir uma frase bela, emocionante, expressiva , que traduza a realidade de uma forma criativa, estamos perante um recurso estilístico. Isto é, na arte literária. E nas chamadas artes plásticas, de que potencialidades dispõe o artista para, até certo ponto, traduzir a expressão de que só a palavra o pode fazer fielmente? - A Literatura é a arte das artes, não esquecer.
*
Uma figura de estilo muito frequente é a hipérbole (do grego, hyperbolé “ acto de lançar por cima de, além de; de ultrapassar a medida //Excesso, super abundância” ), consiste na representação excessiva de uma pessoa., coisa ou acontecimento; em síntese : é um exagero da realidade. Exs : “um dia meu amor ( e talvez cedo) / Que já sinto estalar-me o coração” – Antero de Quental, Sonetos ; “ao passar os montes (...) parei e, olhando atrás (...) verti lágrimas de sangue” – Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas; “estava um calor de assar passarinhos nas árvores...” - Matilde Rosa Araújo .

A propósito e como exemplo, nas artes plásticas, para ilustrar a definição da hipérbole de que me ocupo hoje, atentemos na “escultura da lota” e vejamos como ela pretende traduzir, no bronze, a inscrição ao lado, transcrita da obra: “OS PESCADORES” de Raul Brandão. Assim, reza a inscrição :

ETERNAS SACRIFICADAS TIRAM-NO À BÔCA PARA APARELHAR OS CESTOS DOS HOMENS VENDEM CARREGAM AS REDES LAVAM-NAS SEM UM FIO ENXUTO NO CORPO METEM O OMBRO AOS BARCOS PARA OS DEITAR AO MAR. ACABADA A PESCA TODO O TRABALHO CABE À MULHER QUE FABRICA A GRAXA QUE TRATA DOS FILHOS QUE FAZ REDES AS LAVA E AS CONSERTA E QUE VAI VENDER POR ESSES CAMINHOS FORA . – RAUL BRANDÃO, “OS PESCADORES” 1932*

As pessoas mal informadas, sobretudo da classe piscatória, protestam contra a fealdade da representação das “nossas avós”: não aceitam que elas tenham sido tão disformes. O escultor quis moldar a alegoria, ali patente, do esforço sobre-humano das “eternas sacrificadas” ao trabalho ingente a que se obrigam como esteios da sustentação do lar. Recorreu à expressão hiperbólica para captar esse simbolismo. É a representação exagerada das marcas vincadas nos seus rostos e corpos pelas agruras, e combate físico, da vida. Deve ser interpretada como expressão do valor moral da mulher com a coragem indomável da luta em prol dos seus, não tendo, ela, sequer, um inútil espelho onde, esquecida de si, não cuidaria de ver reflectidas as suas feições profundamente deterioradas pelas angústias da vida do mar e a ansiedade do pão para os filhos. Assim, este valor de alma, só o bronze o espelhará ad aeternum.
Jamais se diga que aquelas figuras são feias !

* A data 1932 está incorrecta : Raul Brandão nasceu na Foz do Douro em 1867 e faleceu em Lisboa em 1930 ; portanto, nunca teria escrito a obra em 1932 , mas sim em 1923; troca de algarismos, por certo, que não custa nada corrigir ( ou custará ?)


Dimas Maio

Sem comentários: