sexta-feira, março 24, 2006

O POLICIA BRONCO

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No domingo, dia 12 de Março corrente, houve na Póvoa a corrida pedestre, denominada a “Meia Maratona Cego do Maio” .
Como é de meu hábito diário, dirigi-me de carro para a zona do Porto de Pesca, de onde parto para as minhas caminhadas de manutenção. Segui pela Avenida Marginal. Eram então 10 horas e não havia ainda qualquer limitação ou impedimento de trânsito. À cautela, deixei o meu carro estacionado na rua Tenente Valadim e não junto da “alegoria da lota" como é meu costume, pois era de esperar que, na volta dos maratonistas, não pudesse partir dali para fazer o caminho de regresso a minha casa, em Aver-o-Mar.
Eram cerca das 11 horas quando começaram a chegar, pela marginal, dos lados de Vila do Conde, os pedestrianistas.Dirigi-me então para o carro e, como é óbvio, já não pude regressar pela marginal. Foi-me imposto, pelos agentes da polícia postados nos diversos cruzamentos, seguir para interior : Praça do Almada, Rua do Visconde, Rua Fernando Barbosa, Rua da Família dos Bonitos de Amorim; aqui, voltar na rotunda para a Rua Leonardo Coimbra até ao cruzamento com a Rua Gomes Amorim (estrada nacional )
Segui então para norte até encalhar, logo ali adiante, porque havia uma fila de carros parados até às proximidades da rotunda entre a Avenida Vasco da Gama e a Avenida do Mar. O impedimento da marcha era motivado pelos corredores que, subindo a Vasco da Gama, contornavam aquela rotunda para voltarem em sentido inverso.
Previ que a paragem seria demorada, face ao elevado número de atletas que teriam de fazer aquele contorno. Por isso, aproximei o carro, o mais possível do passeio, meti o travão de mão e esperei.
Passados que eram 10 minutos , na contingência de ter de permanecer ali muito mais tempo, preocupado com a intranquilidade da família face ao que seria um desusado atraso do meu regresso, peguei no telemóvel para dar conta da minha situação. Acto contínuo, aparece do outro lado da faixa de rodagem, de frente à Avenida Santos Graça, um agente da PSP aos berros: “pouse esse telemóvel ! pouse esse telemóvel !... e aproxima-se a passos largos. Instintivamente, eu ergo o braço esquerdo em gesto de enfado.
Foi então o diabo que se meteu no corpo do homem. Desabridamente exige-me a entrega dos documentos. Tento acalmá-lo, chamando-lhe a atenção para o facto de estar completamente parado, arrumado o mais possível para a direita e não haver qualquer circulação de veículos na estrada. Digo-lhe que não conheço o teor da lei , mas que o espírito ou sentido da mesma não poderia ser outro que o de prevenir o risco de acidente que uma momentânea distracção do condutor, provocada pelo telefonema, criaria. O que, no meu caso, estava completamente fora de questão. O individuo insiste na entrega dos documentos e entende que estou a “desobedecer à autoridade”; exige que saia do carro e leva o seu ímpeto ao acto de me querer arrancar do assento ameaçando-me de detenção.
Perante a impotência de exorcizar o demo que habitava o corpo do sujeito, donde o aumento progressivo das convulsões me assustou , saio da viatura e entrego-lhe o B.I. e a carta de condução. Enquanto anotava ele os elementos que precisava , advertia-o eu que ia processá-lo e exigia a sua identificação. Respondeu que eu saberia quem ele era dentro de quinze dias, quando recebesse "nota do auto".Negou-se, pois, a identificar-se. Enquanto eu reclamava que ele declarasse na sua participação que o carro estava completamente parado, mais justo, seria até, estacionado, ia-me dizendo que ele era a “autoridade”, “pessoa idónea” e a questão "seria da sua palavra contra a minha" . pressentia-se, nele, a premeditação da mentira.
Na altercação, respondi-lhe eu que o “hábito não faz o monge” e quanto à idoneidade, eu era um professor na situação de reformado e tinha a provecta idade de 79 anos, vividos como cidadão escrupuloso no cumprimento dos seus deveres. Mereceria, por isso, um pouco mais de respeito. Entretanto devolveu-me os documentos e foi-se embora. Ainda esperei mais cerca de 20 minutos até poder arrancar, continuando na fila até à rotunda acima referida.
Pelo que pude observar da atitude daquele agente, conclui que tarde se deu conta de que exorbitou com a pessoa errada e não terá alternativa senão recorrer à mentira para fazer valer a "sua palavra contra a minha" e ele é a autoridade. Será assim ? Espero bem que não.
De minha parte, para quem não me conhece, considerando a análise da minha descrição pormenorizada dos factos, mormente dos circunstanciais, coincidentes, da corrida e da hora a que a mesma se processava há-de concluir pela razão de meus argumentos para não deixar impune quem me ofendeu na dignidade a ponto de me sentir verdadeiramente humilhado. Aliás, presumo que era essa, mais que a multa, a intenção do sujeito. Usou mesmo da ironia quando lhe declarei que tinha sido professor :- “ rico professor deveria ter sido... “ , disse.
Fiquei também com a impressão que ele se julga inimputável como “executor da lei” e ninguém ousaria impugná-lo. Usou sempre um tom de voz intimidativo. Pretendia, com a sua arrogância, ocultar uma carência de formação que a sua profissão exigiria. Debalde lhe quis fazer sentir que ele era, antes de mais, um cívico e como tal deveria agir em quaisquer circunstâncias.
Finalmente, cabe aqui a questão :
Por que não passam, estes agentes da autoridade, por um curso de formação selectivo quanto às suas capacidades intelectuais e de inteligência para saberem interpretar e discernir das atitudes a tomar perante os factos em que devam ou não intervir ?
Dimas Maio

ACÇÃO DA JUNTA DE AVER-O-MAR
















Finalmente entendo que aqui, na vila de Aver-o-Mar, temos homem à altura de assumir, com a devida competência, a responsabilidade inerente ao cargo de Presidente da Junta.
Carlos Maçães, pelo que tenho observado pelos jornais, tem definido um projecto para o desenvolvimento da freguesia e não lhe faltará ânimo para o ingente esforço que lhe será necessário para o levar o cabo. Creio que isto mesmo o tem ele concretamente afirmado pelo trabalho já encetado, no bom caminho e sem hesitações. Arrumou o abusivo caos da feira no Largo do Emigrante e está em vias de mandar vassourar o enorme lixo que se acumula por toda a parte, mormente nos espaços onde se torna mais visível, impressionando muito desagradavelmente os visitantes e nós, os habitantes civilizados, nos sentimos envergonhados, amargurados, senão revoltados, pela incúria, pelo desleixo, a que foi votada a nossa terra
A Câmara Municipal que adquiriu os terrenos à empresa “Maripraia” e tinha já, para aqui, um anteprojecto para uma “intervenção fantástica”, segundo Aires Pereira o que, de facto, me tinha sido, em tempos, pessoalmente anunciado, por outro edil responsável, como coisa séria a concretizar-se “em breve”.Saiu completamente gorada a promessa. Então, tudo foi francamente abandonado. Para quem faz o percurso na marginal Avenida dos Pescadores, a partir precisamente do bar “MARIPRAIA” começam contiguamente ali as ruínas e o lixo que, para norte, têm o seu cúmulo nos espaços que as imagens acima denunciam. É simplesmente deprimente ao espírito de quem quer viver num ambiente de um mínimo de asseio e conforto o estendal de miséria que ali se patenteia. Esta artéria e estes espaços são obrigatoriamente de passagem e de ocupação de lazer para quem a partir do mês de Maio procura as nossas maravilhosas praias. Atente-se só no parque automóvel que fotografei de minha varanda num passado mês de Julho.
Face ao bom começo da acção do nosso jovem Presidente da Junta, fico na boa expectativa de que o seu entusiasmo não desfalecerá frente às dificuldades para que também há-de estar previamente preparado, mormente perante o desinteresse do Município que lhe negará a mínima ajuda porque resolveu voltar-se para outras paragens que colectivamente, pensa, lhe darão maior “glória”.
Esquecem que a principal rota da Póvoa se faz para norte, ao longo e à vistas destas encantadoras praias até à majestosa penedia de Santo André .

Dimas Maio

terça-feira, março 07, 2006

C O N C E I T O S


“ O caminho faz-se ao andar” ( poema de A. Machado)
E eu decalco: o caminho faz-se caminhando...

Sento-me em frente ao computador e começo a bater as teclas, a tentar um estímulo para despertar a minha inspiração. Frequentemente esse fenómeno acontece : gosto de escrever , porque esta é a actividade que me motiva e ordena o pensamento e porque imagino que haverá alguém que me escuta, neste caso lê. Sinto a necessidade de comunicar, “vício” que ficou da minha actividade profissional Digamos que esta é uma ocupação de subsistência mental: o tempo não para, mas tenho a pretensão de resistir ao envelhecimento.
Falta-me um tema para desenvolver e conseguir um texto que desperte o interesse de meu imaginário leitor, tanto pelo conteúdo como pela forma. Aliás, das leituras que faço dos jornais dou sempre preferência aos articulistas cujo estilo conheço, assente tanto na clareza e vivacidade da sua comunicação como pela perfeita adequação dos termos e harmonia na estrutura da frase. Dos outros, dos que não me suscitam qualquer interesse literário, leio os títulos e, quando muito, faço uma leitura cruzada para obter a síntese da sua informação.
Tenho particular apreço pelos periódicos em que os seus colaboradores não estão sujeitos a uma censura interna : os artigos de opinião ou de teor crítico são, como é de preceito jornalístico, da inteira responsabilidade de quem os elabora. Apenas um requisito se impõe e esse é , como a educação cívica e princípio básico das regras sociais o requerem: o da não ofensa pelo insulto, o mesmo que o da não linguagem de baixo nível social, o da negação do termo soez , o da recusa do calão ordinário ou o da expressão obscena . Esta é a sinonímia que redunda na concisão do lema : o respeito pelos outros é o respeito por ti mesmo ou, respeita para seres respeitado.
A ofensa gratuita contra a integridade moral de outrem repercute-se, tal “boomerang”, na honorabilidade do ofensor. Fazer a crítica de actos públicos ou de entidades socialmente responsáveis não será , obrigatoriamente, a constante maledicência sem argumentos plausíveis ou pelo direito de desafronta contra quem agride a sua própria dignidade..

Dignidade ! Eis a palavra estímulo de que acima referi e que determina o assunto com que me vou ocupar concretamente, pronunciando meu entendimento sobre este conceito :
Dignidade significa auto-estima, amor próprio que se cultiva com atitudes e actos que mereçam a atenção elogiosa de quem nos é próximo; é esse o maior bem por que um cidadão que se preza deve pugnar e manter no seu mais elevado valor, até na adversidade. Aliás, é nesta situação que o pundonor emerge e engrandece o carácter do indivíduo perante quem com ele se relaciona. Se, pelo contrário, ao contratempo não reage e se presta a ser fantoche ou bonifrate de quem, sem escrúpulos, por uma prometida côdea, o manipula a seu belo prazer, cometendo, em consciência, deslealdade para com quem teria motivos de sobra para se mostrar grato, esse indivíduo irá de mal a pior no conceito dos cidadãos íntegros.
Pode, o amor próprio, redundar em orgulho? E, por que não, se esse sentimento não revelar menosprezo por ninguém, mas, pelo contrário, se alicerçar numa conduta moral irrepreensível, também e, por isso mesmo, no merecimento de amizades sinceras. E, ainda, quem não se sente ufano quando é reconhecido pela sua inteira dedicação e sucesso no trabalho em prol da sua comunidade, por exemplo ? Mas se, neste caso, é perfeitamente legítimo no indivíduo o sentimento de orgulho, se este degenera em vaidade, é em animosidade dos seus concidadãos que o mesmo indivíduo transmuda a estima que lhe era merecida. Vaidade é vanglória, fatuidade, presunção; é menosprezo por quem julga que lhe é inferior ou complexo de espírito mesquinho que teme perder a sua falsa auréola de ídolo, adorado pela crença de quem possa iludir com essa demagogia.
Orgulho é, por outro lado, antónimo de humildade, quando esta se constitui em submissão que leva frequentemente à subserviência. O orgulhoso não se deixa tornar humilde, o mesmo que dizer, não se deixa humilhar, antes reage com altivez perante quem pressente que o tente fazer. Entende ter criado uma situação de independência e só aceita o que julga ser-lhe merecido, incluindo a reciprocidade ou o correspondente gesto de reconhecimento pela sua lealdade. Neste capítulo, por vezes, acontece alguma situação de incomodidade sobre a atitude a tomar: obedecer de pronto ao impulso de recusa e demissão do cargo ou compromisso que voluntariamente tenha assumido, face a uma hipotética ofensa O orgulho não contradiz a modéstia. Ser orgulhoso não é deixar de reconhecer a simplicidade da sua condição social; é, antes, sentir-se em perfeita sintonia com gente que vive apenas à custa do seu trabalho honesto e, aí sim, merecer a simpatia e admiração da sua classe por alguma atitude de destaque que contribua para o prestígio colectivo.
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A propósito da diferença, que considero, sobre os conceitos de vaidade e orgulho, é com intenção que aqui os tenho pretendido distinguir exactamente para pôr em destaque a pertinência da propriedade dos termos: sinonímia não quer significar o indistinto emprego de um ou outro vocábulo, em alternativa, mas sim dependendo do contexto em que se inscrevam .
Assim se eu disser: Fulano está todo vaidoso por ter recebido uma medalha pelos bons serviços que tem prestado à comunidade; o termo vaidoso é perfeitamente substituível pelo seu sinónimo orgulhoso, não há a mínima alteração do sentido. Mas, se eu disser : Sicrano é um grande vaidoso, menospreza toda a gente que considera de condição socialmente inferior e até aos que são de sua classe se não forem seus louvaminheiros, se revela de uma condenável sobranceria. Aqui o vocábulo vaidoso não cabe, em substituição, com a mesma propriedade, de orgulhoso
... E, assim, andei mais uma etapa do caminho que, aqui e, até agora, sem obstáculos à afirmação da minha própria dignidade, vou caminhando.
Dimas Maio

IRONIA DAS IRONIAS !!!











A IRONIA DAS RUINAS
em A ver-o-Mar

Durante a lacuna na continuidade de minha colaboração para “o Comércio da Póvoa”, motivada por influências estranhas à minha vontade de cumprir, com dignidade, o compromisso, que a mim próprio me impus, da assiduidade semanal, vários foram os leitores amigos que me interrogaram sobre a hipótese de eu voltar aos temas de carácter literário. Confesso que fiquei agradavelmente surpreendido com esta solicitação, até pela superação do receio de me julgarem pretensioso, a querer dar lições aos meus “alunos”.
Mas, já agora, ganho alento para dizer que um periódico local, para além de sua estrutura de base que é o jornalismo de informação, mais ou menos pormenorizada ou crítica, mormente de eventos ou actividades locais, há-de ter em conta, não perifericamente, mas como uma mais valia, intimamente contígua, uma componente de cultura; aqui, serão de adequada importância algumas noções literárias. Assim se alarga e enriquece o espaço da sua acção sócio-cultural. Diria mais: é neste âmbito, assim alargado, que um Semanário condigno, mais categoricamente se afirma. Conclusivamente, leitura deverá conjugar-se com cultura .
Nos temas que trato, farei, quanto possível, uma aplicação prática das teorias ao que, de imediato, é de interesse dar como exemplo.
Reatarei também o desenvolvimento de outros temas, dentro da perspectiva ou o título que vinha encabeçando os meus textos e, mais abrangente, de “ o que está bem... o que está mal...” embora, de ora em diante, jamais expresso.
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I R O N I A , (definição)

Ironia (do grego eironeía, simulação) figura de retórica com que se exprime o contrário do que as palavras naturalmente significam . Aquilo que representa contraste frisante com o que logicamente devia ser.
Há ironia quando as palavras significam o contrário do que no íntimo pensamos, ou estão em desacordo com a realidade. Ex. – que belo tratante me saíste; és um óptimo filho, não há dúvida ! ( na realidade trata-se de alguém que não se comportou, como devia, com o pai)
(O contexto em que se fala ou escreve permite que, o ouvinte ou leitor, perceba o sentido do que se diz).
“A Ironia ,como atitude filosófica supõe um dualismo básico de mundividência que permite precisamente a simulação subtil de dizer uma coisa por outra . Em Sócrates a Ironia é uma espécie de docta ignorância, mais de malícia que de humildade sincera, desconfiança simulada nos próprios méritos; ignorância aparente que pergunta sabendo a resposta. “Só sei que nada sei”. Eis o que encerra, paradoxalmente, o fundamento de toda a sabedoria.

I R O N I A, (exemplificação concreta)

A Póvoa de Varzim, para orgulho dos seus naturais, faz o encantamento de quem pela primeira vez a visita e, em cada ano, por efeito dessa contagiosa sedução, se multiplicam os forasteiros para quem, também em cada época, se renovam e acrescentam os atractivos. Os mordomos, ao serviço da anfitriã, têm-se mostrado à altura do fidalgo acolhimento que sempre tem sido apanágio desta nobre Senhora do Mar.
A Póvoa estende-se em belíssimas praias para norte e, em Aver -o - Mar, a começar pela enseada natural da Lagoa, são as mais numerosas e ricas na diversidade.
Muito acertadamente, tem procedido a nossa Câmara em conservar-lhes o peculiar exotismo. Se fizesse nelas a tal “intervenção fantástica”, seria a fantasia dessa promessa, em tempo da campanha eleitoral que, a cumprir-se essa remota hipótese, as mascararia e tornaria irreconhecíveis. Ainda bem que houve um tempo de reflexão e se esmoreceu o ímpeto da Autarquia. Agora, por um novo período de acalmia, sosseguem os corações aflitos, que outra ameaça de melhoramentos paisagísticos que provocariam a descaracterização destas românticas enseadas “onde o canto da sereia vem teu sono acalentar” jamais os apoquentará.
Atente-se no encanto das ruínas que se vêem na imagem. Decoram elas as praias do “Bico da Forcada”, do “Penedo do Sol” e “Amorosa” que ladeiam, artisticamente, a avenida marginal. Lá está o monumento histórico que foi, em tempos remotos, quartel da Guarda-Fiscal. Seria um crime derrubar aquela relíquia da memória do obrigatório manifesto ( o bilhete) para que a mulher do pobre pescador pudesse vender na lota da então vila da Póvoa de Varzim, pagando o competente imposto, as fanequinhas que, até lá, carregava num cesto à cabeça , produto de um trabalho penoso, sobre todos os títulos, incluindo o constante risco do seu “home”perder a vida, quando a fome dos filhos o obrigava à ousadia de se lançar, no barquinho, ao mar, muitas vezes ainda encapelado, porque longos meses de Inverno o retinham na miséria de “não ter com que acender o lume”.
As casas abandonadas, em ruínas, muito justamente não podem ser recuperadas pelos actuais proprietários porque a Câmara Municipal oficializou a sua utilidade pública e promete indemnizar aqueles pela expropriação, com a mais valia dos juros, pelo prazo indefinido em que lhes chegará a fazer o justo ressarcimento.
Mas antes de territorialmente aqui chegarmos, vindos do sul, a partir do termo da praia da Lagoa, pela marginal, temos na praia de “Fragosinho”, contíguas ao “BAR MARIPRAIA”, as ruínas dum “secular edifício” que foi, inicialmente, armazém de apetrechos de pesca e, deixando de ter essa utilidade, passou então a ser escola primária. É de louvar a recusa da Câmara Municipal em mandar demolir aquele monumento consagrado à carinhosa memória das crianças de então, hoje cidadãos activos, mas, já a declinarem para a reforma.
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Usar um estilo irónico para fazer uma crítica, é uma maneira subtil e inteligente com maior probabilidade de se conseguir o objectivo pretendido e, se houver arte para tal, poderá criar-se um pouco de humor a provocar um brando sorriso de aquiescência da entidade ou organismo na “berlinda”. Porém, se é demasiado evidente na intenção do seu autor, perdendo todo o refinamento de dissimulação e é abertamente azeda e agressiva, então, a mesma ironia, redunda em sarcasmo não tendo por objectivo outro que não seja o de ferir mordazmente o alvo em mira.
De minha parte, o que pretendi, neste texto, não foi tão-somente definir e exemplificar a literária figura de estilo, confesso, mas obrigo-me a reconhecer que me falta o “engenho e a arte” para um mais subtil e risonho ironizar. Contudo, intenção minha, não foi utilizar o cáustico sarcasmo para ferir determinadas susceptibilidades e, à francesa, je le jure!
Dimas Maio
Nota - Não foi publicado.

segunda-feira, março 06, 2006

ALEGORIA AO TRABALHO NÃO INTELECTUAL


ALEGORIA LITERÁRIA
ALEGORIA ESCULTÓRICA
A l e g o r i a ( do grego allegoría, linguagem por metáforas). “É um tipo de metáfora (lato sensu) que compara uma realidade sempre de carácter abstracto com um termo metafórico, sempre concreto, visível plástico. Assim as figuras que rompem da alegoria fixam-se para a representação da mesma realidade”. Ex,: a alegoria da Justiça é representada por uma figura feminina, com olhos vendados. Significa que a Justiça é cega, isto é, aplica-se segundo a Lei e não olha a quem; é objectiva e, em princípio, é aplicada ao rico como ao pobre, ao que detém o poder, como ao simples cidadão comum.
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Na arte literária, é ainda típico da alegoria o facto da realidade ser traduzida termo a termo para o plano metafórico e não em conjunto, globalmente como um símbolo. Assim, os pormenores da configuração da alegoria têm, cada um, uma função representativa da realidade a que alude. Temos, neste caso, uma série de metáforas (a metáfora é uma espécie de comparação abreviada, pois dá-se o desaparecimento da palavra ou expressão comparativa)
Como exemplo de figuras alegóricas , pode apontar-se o polvo no sermão de S.to António, pregado em S.Luís de Maranhão pelo P.e António Vieira. O autor encontra no polvo uma imagem da hipocrisia e da traição: “com aquele seu capelo na cabeça , parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha , parece a mesma brandura e a mesma mansidão” Estas características e, principalmente, a faculdade de mudar de cor consoante o ambiente que o rodeia são os equivalentes, no plano físico, da hipocrisia e do disfarce de que serve a traição – que é a ideia abstracta representada pelo polvo.
(A alegoria pode ser representada por toda uma obra literária: o “Auto da Alma” e a “Trilogia das Barcas” de Gil Vicente, são alegorias )
No auto vicentino, a passagem da vida terrena à vida depois da morte é alegoricamente representada pela passagem de um rio, para a qual estão disponíveis duas barcas, a barca do paraíso e a barca do inferno. As almas são metaforicamente representadas por passageiros; o interrogatório a que são submetidas representa o julgamento das almas subsequente à morte; o destino de cada uma das barcas prefigura a salvação ou a condenação eternas. Embarcar numa ou noutra depende do comportamento das almas na vida terrena e esse comportamento determina, portanto, o destino das almas depois da morte.
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Na arte plástica, “a representação de ideias abstractas, encontrou a sua concretização em figurações de vário tipo, mas quase sempre de elementos humanos, cujos atributos têm um significado simbólico alusivo ao que pretendem significar. Muitos vezes, ao lado dos atributos identificadores, a própria acção das personagens representadas constitui o elemento essencial da alegoria”.
Confira-se esta menção com o conjunto escultórico que se encontra na rotunda do cruzamento da Avenida Vasco da Gama com a Avenida do Repatriamento dos Poveiros, aquele a que, por comodidade de referência, é designado muito impropriamente por “estátua do touro”. Ali se vêem configurados, em posição dinâmica, um trabalhador da terra (agricultor) e um trabalhador do mar ( pescador), usando, na simulação do seu labor, os respectivos instrumentos: a rede que o homem do mar a ele lança; o homem da terra com o bornal das sementes que à terra semeia e um animal, o boi, especial auxiliar do seu trabalho rural.
Aquele esplêndido ornamento da nossa cidade resultou da imaginação e arte do seu autor para simbolizar ou materializar a ideia do esforço de braço, no mar e na terra, das gentes trabalhadoras da Póvoa e seu concelho. Lá estão inscritas, em redor da plataforma da base, as 12 freguesias que o compõem. Simbólica ou alegórica, considerando a meu ver, neste particular, a sinonímia dos termos, justo é dizer que aquela obra de arte é magnífica na sua concepção.

A figura de proa do grande barco à vela, rumando ao norte seguro, na minha leitura, o criador, talvez inspirado na mitologia greco-romana , pretende que o gigante sem cabeça, que na imagem não se vê, simbolize toda a força produtiva do trabalho não intelectual

ARTE LITERÁRIA - figuras de estilo




HIPÉRBOLE

Sempre que se recorre às potencialidades da língua para construir uma frase bela, emocionante, expressiva , que traduza a realidade de uma forma criativa, estamos perante um recurso estilístico. Isto é, na arte literária. E nas chamadas artes plásticas, de que potencialidades dispõe o artista para, até certo ponto, traduzir a expressão de que só a palavra o pode fazer fielmente? - A Literatura é a arte das artes, não esquecer.
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Uma figura de estilo muito frequente é a hipérbole (do grego, hyperbolé “ acto de lançar por cima de, além de; de ultrapassar a medida //Excesso, super abundância” ), consiste na representação excessiva de uma pessoa., coisa ou acontecimento; em síntese : é um exagero da realidade. Exs : “um dia meu amor ( e talvez cedo) / Que já sinto estalar-me o coração” – Antero de Quental, Sonetos ; “ao passar os montes (...) parei e, olhando atrás (...) verti lágrimas de sangue” – Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas; “estava um calor de assar passarinhos nas árvores...” - Matilde Rosa Araújo .

A propósito e como exemplo, nas artes plásticas, para ilustrar a definição da hipérbole de que me ocupo hoje, atentemos na “escultura da lota” e vejamos como ela pretende traduzir, no bronze, a inscrição ao lado, transcrita da obra: “OS PESCADORES” de Raul Brandão. Assim, reza a inscrição :

ETERNAS SACRIFICADAS TIRAM-NO À BÔCA PARA APARELHAR OS CESTOS DOS HOMENS VENDEM CARREGAM AS REDES LAVAM-NAS SEM UM FIO ENXUTO NO CORPO METEM O OMBRO AOS BARCOS PARA OS DEITAR AO MAR. ACABADA A PESCA TODO O TRABALHO CABE À MULHER QUE FABRICA A GRAXA QUE TRATA DOS FILHOS QUE FAZ REDES AS LAVA E AS CONSERTA E QUE VAI VENDER POR ESSES CAMINHOS FORA . – RAUL BRANDÃO, “OS PESCADORES” 1932*

As pessoas mal informadas, sobretudo da classe piscatória, protestam contra a fealdade da representação das “nossas avós”: não aceitam que elas tenham sido tão disformes. O escultor quis moldar a alegoria, ali patente, do esforço sobre-humano das “eternas sacrificadas” ao trabalho ingente a que se obrigam como esteios da sustentação do lar. Recorreu à expressão hiperbólica para captar esse simbolismo. É a representação exagerada das marcas vincadas nos seus rostos e corpos pelas agruras, e combate físico, da vida. Deve ser interpretada como expressão do valor moral da mulher com a coragem indomável da luta em prol dos seus, não tendo, ela, sequer, um inútil espelho onde, esquecida de si, não cuidaria de ver reflectidas as suas feições profundamente deterioradas pelas angústias da vida do mar e a ansiedade do pão para os filhos. Assim, este valor de alma, só o bronze o espelhará ad aeternum.
Jamais se diga que aquelas figuras são feias !

* A data 1932 está incorrecta : Raul Brandão nasceu na Foz do Douro em 1867 e faleceu em Lisboa em 1930 ; portanto, nunca teria escrito a obra em 1932 , mas sim em 1923; troca de algarismos, por certo, que não custa nada corrigir ( ou custará ?)


Dimas Maio

LÍNGUA PORTUGUESA - género do substantivo bebé


GÉNERO DO NOME BEBÉ

Longe vão os tempos em que se condenava a introdução do termo duma língua estrangeira na “nobre língua de Camões”. Era pecado sem remissão, ou crime de lesa pátria, tal promiscuidade. Alegava-se, em defesa dessa razão, a riqueza vocabular da língua portuguesa, sem necessidade de recurso a estrangeirismos

O bebé ( menino ou menina) e não a distinção o bebé (menino) e a bebé(menina), erro por ignorância da norma da língua portuguesa que progressivamente se tem generalizado. É de facto, para mim, arrepiante ouvir ou ler, na comunicação social, o substantivo ou nome bebé precedido de um determinante feminino se o bebé é uma menina. Assim se diz erradamente no feminino: a bebé, uma bebé, esta bebé, etc.
Bebé s.m.(do fr.bébé) – criança do peito, criancinha. Assim refere o “ Grande Dicionário da Língua Portuguesa” de José Pedro Machado.
De facto, o nome ou substantivo bebé é traduzido, ou melhor, decalcado da língua francesa, cabendo perfeitamente na nossa norma, sem necessidade de ajustamento do seu género. Quero dizer que, em francês, le bébé, un bébé, ce bébé, etc. não admite o feminino: la bébé, une bébé ,cette bébé: ao dizer no género masculino englobam-se os dois sexos; se há necessidade de distinção, dir-se-á : un bébé petit garçon; un bébé petite fille. O mesmo acontece em português: um bebé menino; um bebé menina.
Estes nomes que só têm uma forma com um único género, qualquer que seja o sexo da pessoa que se nomeia, são tradicionalmente designados por substantivos sobrecomuns ; exemplos : o cônjuge, o indivíduo, a criança, a criatura... não se diz: a cônjuge, a indivíduo, o criança, o criatura.
Poder-se-á contra - argumentar que há nomes que têm uma forma comum aos dois géneros, nos quais a marca que distingue o masculino do feminino apenas se encontra nos determinantes ou adjectivos que aparecem a concordar com esse feminino; exemplos: o artista / a artista; o doente / a doente ; o jovem /a jovem , o emigrante / a emigrante, ou talentoso artista / talentosa artista; doente sofredor / doente sofredora; jovem atencioso / jovem atenciosa; emigrante saudoso / emigrante saudosa, etc. - estes nomes são designados por comuns de dois - e que o nome bebé poderia inserir-se nesta série e obedecer a esta regra.
Só que, não é de esquecer ou omitir que, o nome bebé não resulta da tradução mas sim da cópia ou decalque integral do francês e, por consequência, é aceite na nossa língua com a inerência de suas próprias regras, adaptando-se, no entanto, perfeitamente à norma da língua portuguesa, considerando-o um substantivo da série dos designados como sobrecomuns.

Como nota suplementar e para reforçar os argumentos acima produzidos, serve dizer que o substantivo bébé, em francês tem, por sua vez, origem, com o mesmo significado, no termo inglês baby que se traduz também por menino ou menina – “Bébé n.m. ( Baby,1841; de l’angl. Baby) enfant, nourrisson, nouveau-né, petit”.

Dimas Maio

LÍNGUA PORTUGUESA - emprego da partícula apassivante

VOZ PASSIVA COM A PARTÍCULA APASSIVANTE

Um amigo pôs-me, num destes dias, uma questão linguística um pouco complicada para ser cabalmente esclarecida. Disse-me que tem ouvido e também tem visto escrito, com muita frequência, as expressões alternativas: vendem-se casas/ vende-se casas; alugam-se barracas/aluga-se barracas (da praia) ; escrevem-se cartas/escreve-se cartas, etc. “Qual das duas formas estará correcta, o verbo transitivo no plural ou no singular ?” A pergunta é bem pertinente, e, como se imagina, formulada por muitos portugueses com alguma cultura. Mas a resposta fundamentada por um raciocínio lógico e plausível não se encontra em nenhuma das gramáticas consultadas. Nestas, como código da norma da língua portuguesa , a regra geral, é da obediência à primeira versão, isto é, o verbo transitivo na terceira pessoa do plural . Assim, deverá ser: vendem-se casas; alugam-se barracas; escrevem-se cartas, etc.
Trata-se da voz passiva dos verbos que, normalmente, é formada com o verbo auxiliar ser . Nestes casos a voz passiva é obtida com o uso da partícula apassivante se. Assim, nos exemplos acima, vendem-se casas, na voz passiva, casas são vendidas ; alugam-se barracas, equivale a dizer: barracas são alugadas; escrevem-se cartas ou cartas são escritas, etc. A gramática limita-se a referir que neste caso, o da voz passiva, com a partícula apassivante, não vem expresso o agente da passiva. E aqui é que está o busílis da questão: as casas não se vendem a si próprias; as barracas não se alugam a si próprias; as cartas não se escrevem a si próprias, etc. Na voz activa : (alguém) vende casas ; (alguém) aluga barracas; (alguém) escreve cartas, etc. É assim que entende quem opta pelo conjugação do verbo transitivo no singular: vende-se casas; aluga-se barracas; escreve-se cartas. Só que, neste raciocínio, aquilo que se denomina partícula apassivante (se), passa a corresponder ao pronome indefinido (alguém), como acontece em francês: on vend des maisons; on loue des tentes; on écrit des lettres, etc., em que “on” é um pronome indefinido que se traduz, vulgarmente, por alguém. Peguemos num só exemplo. Consideremos, na voz activa: vende-se (aceitando se =alguém) casas. Com um pequeno desvio da norma, como acontece no português do Brasil, dir-se-ia: se vende casas. Então, sem alterar a posição dos componentes da frase bastaria substituir se por alguém.
Vertamos agora para a voz passiva esta versão: vende-se casas ou alguém vende casas. Teremos então: casas são vendidas por (alguém). O complemento directo da voz activa, casas, passa para sujeito da voz passiva e o verbo como tem de concordar com o novo sujeito vai para o plural ; o sujeito, alguém, passa para agente da passiva precedido da preposição por, . Assim, quando as gramáticas dizem que não está expresso o agente da passiva, poderá contestar-se que o mesmo é subentendido. Repare-se que o pronome, alguém, quer como sujeito na voz activa ou agente da passiva é sempre o agente da acção.
A questão posta pelo meu amigo, como disse, embaraça quem a pretenda satisfazer por escrito; de viva voz e em diálogo seria mais entendível para os correspondentes interlocutores. Por isso, caro leitor, espero que a salada russa que me esforcei por tornar digerível não o tenha indisposto. Acredite que me preocupei com essa hipótese e temperei-a o melhor que sabia.
Recordo que, em tempos, Edite Estrela, quando se propôs, pela televisão, dar algumas lições de português, a propósito da conjugação da voz passiva dos verbos com a partícula apassivante se, a substituir o verbo auxiliar ser, disse, apenas, que o verbo transitivo devia conjugar-se no plural, a concordar com o novo sujeito da passiva e mais não esclareceu.
Por minha parte foi, aqui, minha intenção, também e apenas, tentar esclarecer as razões das duas alternativas sugeridas pelo meu amigo. Não tenho outros argumentos para contestar a regra gramatical que é posta também sem mais explicações de lógico fundamento.
A gramática é o código que contem as regras para bem falar a língua portuguesa exactamente como um código de leis é para ser respeitado pelo cidadão socialmente bem integrado. Obedeça o falante às regras da gramática e respeite o cidadão as leis do código jurídico.
Dimas Maio