segunda-feira, fevereiro 25, 2008

LÍNGUA PORTUGUESA - "propriedade do termo"

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........Não é pretensão minha tentar, sequer, reviver meus tempos de actividade profissional para dar lições a quem quer seja. Quero até considerar o respeito que devo aos meus pacientes leitores que, para minha maior satisfação, têm levado a sua bondade a ponto de me incentivarem a este salutar exercício de manutenção mental com os seus sábios comentários a alguns de meus posts. Bem hajam !
........No entanto é esta sensibilidade de professor de Português, que me desperta do sossego reformador para uma intervenção, motivada pelo que considero o desajuste duma expressão, absolutamente inadequada à finalidade da sua aplicação:
........Certa entidade, com responsabilidades públicas de âmbito local, durante uma sessão de homenagem ao autor de uma obra que era então apresentada à assistência, no meio do discurso, que pretendia ser de reconhecimento do mérito e louvor do seu trabalho, proferiu a expressão : “… e saiu esta enxurrada de versos”
Imagine-se, uma “enxurrada” de versos !...
........Consulte-se o dicionário: enxurrada s.f. 1. torrente de água da chuva; 2. corrente de águas sujas ou de esgotos, enxurro; 3. jorro de imundices; chorrilho.
........Pessoalmente não creio, mas, o termo dá azo a um maldoso segundo sentido. Considerando-se a sua carga conotativa de sentido negativo, poderia querer significar que a grande quantidade de versos a que se referia o orador, não seria mais que um enxurro .
........É caso para dizer, cuidado com a língua !

........Ora, se algum apreço merecesse a grande quantidade de “versos”, se fosse de considerar tal como poesia, e o discurso para a louvar tivesse de meter água, então por que não dizer catadupa ou, melhor ainda, cascata. Cascata é uma queda de água límpida, portanto termo que melhor se coaduna com poesia.
........Uma cascata de versos !

3 comentários:

Manuel CD Figueiredo disse...

Gostei deste texto, que me fez lembrar os seus escritos no "Comércio" (sente-se a falta...).
O caso que relata, vinda de pessoa "culta", creio que se deve ao facto de certas pessoas se julgarem com extraordinários dotes oratórios, e pretendendo mostrar que falam bem, de improviso, por vezes dá nisto.
Não assisti à sessão que refere, mas já presenciei outra, também má, se não pelo rigor da palavra, foi pelo discurso sem nexo que, isso sim, foi uma enxurrada de despropósitos.

José Leite disse...

Caro professor:

«Enxurrada» poderá ter conotações pejorativas, mas não é muito grave, podendo até ser sinónimo de «avalancha»... que tanto pode ser de neve, como de ... gente!

Mas «enxurrada» de asneiras, essa sim é muito frequente.

Veja o nosso Comércio da Póvoa mais recente. Há lá um vereador a lançar uma autêntica «enxurrada» de «enormidades»...

Há tanta gente a lamber... as botas à V.L.!

Dimas Maio disse...

Caro Rouxinol de Bernardim:

A minha motivação aqui é outra que não política.

Eu falo do que entendo. E entendo, por exemplo, que os seus trinados são ricos de variações melodiosas, em todas as “árias”.
Mas, que conceito de meu saber faria, se eu escrevesse aqui que gosto da sua “enxurrada de versos” se o que realmente admiro é a corrente caudalosa de sua poesia laudatória ou de teor sentencioso, tal poeta Aleixo de Vila do Conde?

Pelo menos, pensaria: que raio de professor de português teria sido este ?!