sexta-feira, outubro 27, 2006

O PRESTÍGIO DO PROFESSOR

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Nesta circunstância, de todo o barulho a que a classe docente, actualmente, se entrega para reclamar os seus direitos, que julga postergados, é, de meu parecer, oportuno, reeditar neste blog, o texto que, no jornal " Comércio da Póvoa" de 20 de Outubro de 1994, publiquei com o título:
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A MINHA HOMENAGEM AO PROFESSOR PRIMÁRIO

Tenho profundamente arreigado na memória aquilo a que poderei chamar o meu primeiro e solene acto público.

É verdade, prevenido com muitas recomendações, tremendo de medo e de ansiedade, parecendo também alegre e feliz, parto com um pequeno bando a caminho da “ Escola dos Sininhos”. Todos, de cara bem lavada e de fatinho domingueiro, saímos de Aver-o-Mar, muito cedo para nos encontrarmos, na Póvoa , na sua casa da Praça do Almada , com a Senhora Professora, ainda a tempo de recebermos os derradeiros conselhos, antes do exame.
Já não são ralhos, advertências ou receios que ela nos transmite, mas, sim, incentivos e a convicção que cada um de nós - ela dirige-se a cada um em particular – está perfeitamente apto a passar no exame.

Era a atitude psicologicamente correcta, no momento próprio.

Como nós, outros bandos de outras freguesias abandonavam os seus ninhos a caminho do final da etapa, meta donde alguns se desgarrariam das origens, encetando , sozinhos, largos voos para outras paragens prometedoras de melhor vida que a dos seus progenitores.

Aquele exame público da 4.ª classe era realmente o fim dum duro ensaio de voo que tínhamos que fazer , não sem algumas bicadas dos nossos mestres que não admitiam fracas vontades ou preguiças. Eram dolorosas as bicadas? Se eram, na altura, penso que todos, sem excepção, têm-nas, hoje, à conta de bem empregadas e narram-nas, aos filhos, com saudade e referências carinhosas aos seus autores.
Na minha conta, tenho que me queixar das muitas que não levei, porque, das poucas que sofri, não me lamento de nenhuma.

Foi minha professora a Sr.ª D. Maria Clementina Cunha, saudosa senhora , conhecida, no seu meio, por D. Mimi, ligada à família Santos Graça pelo casamento com o Sr. Alfredo Graça e mãe do distinto médico que tem o nome próprio do seu progenitor.

Ainda hoje me interrogo como era possível para, além de conter, ensinar quatro classes de passarada chilreadora e turbulenta, que, não cabendo nas carteiras, se empoleirava em grandes bancos, no funda da sala, e ainda se acocorava no chão ?

Que métodos, que estratégias,a adoptar para tal ensino ?

Mesmo assim, todos os anos, havia os exames da 4.ª classe e os alunos propostos, passando por prova oral pública, com a assistência dos pais e de outros educadores, não deixavam ficar mal a sua professora. Não me esquecerei, nunca, do sorriso de satisfação e da última carícia que então dela recebemos, quando cada um de nós lhe narrava a sua prova e lhe comunicava o bom êxito do seu exame.

Como muitos outros da sua geração e ainda de gerações a seguir e mais recentes, aquele era o momento mais gratificante de todo o esforço sobre-humano de um duro trabalho e de angústia, sempre reiniciado, em cada ano, obrigatoriamente, até aos 60 anos de idade.

E que responsabilidade, meu Deus ! Do seu trabalho dependia, até para aqueles que prosseguiam os seus estudos , toda uma base sólida para o edifício completo da sua formação

Hoje, sem querer censurar, mas, forçosamente, constatar, que não faltará o brio profissional a muitos professores, que os tempos são outros, os valores mudaram e, comparativamente, o menor sacrifício é mais bem pago.

O pedagogo, no sentido etimológico da palavra, acabou !
E, para terminar, só mais esta constatação: uma professora do “ensino básico” recentemente aposentada, aufere mais que o total das pensões dos seus dois progenitores, também professores primários aposentados.

E, para acabar, mesmo, só falta o lugar comum: “ A culpa é do SISTEMA !”

Dimas de Castro Maio

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